CRUZEIROS
– EU TÔ PAGANDO
Viajar é bom. Viajar de navio é
melhor ainda?
Acabei de voltar de uma viagem, na
verdade um cruzeiro visitando Argentina e Uruguai. A empresa, a MSC de bandeira
italiana disponibilizou um gigantesco navio, o Magnífica, uma nave espetacular
com suas 95.000 toneladas, 16 andares, lançado em 2010 primeiramente para
atender roteiros da região do Mediterrâneo, posteriormente deslocado para
América do Sul, tendo em vista o atendimento do mais novo filão dos turistas
sul americanos ávidos por experimentar as delícias de um cruzeiro.
O embarque aconteceu no terminal de
passageiros do porto de Santos.
Por si só o embarque nesse porto é um
teste de paciência e perseverança, dadas às condições completamente caóticas no
desenrolar dos grandes embarques e desembarques de naves cada vez maiores
abarrotadas de turistas, cada um procurando seu espaço com malas de familiares
espalhados pelos quatro cantos.
Nosso embarque aconteceu dia 26 de
janeiro de 2014 com cinco cavalares navios atracando quase ao mesmo tempo e
logo a balbúrdia tomou conta do terminal.
Um caos com o mínimo de organização
demonstrando que o porto de Santos não tem capacidade de atendimento de grande
contingente de pessoas querendo embarcar ou desembarcar.
A confusão se estende às áreas externas,
notadamente no estacionamento dos ônibus de vagas ultra limitadas sob um calor
escaldante do verão santista.
Depois de completados todos os
estágios de identificação de malas, qual balcão se dirigir, qual portão e salão
para a espera do embarque, chegou a hora do conflito de regras de segurança
após o atentado de 11 de setembro de 2001 em NY transformando no mundo inteiro
o acesso e trânsito de passageiros tanto em portos como aeroportos.
O porto de Santos adota uma central
de monitoramento de máquinas raios-X para as malas de mão e checagem pessoal em
portal igualmente com raios-X. Para tanto os passageiros deste navio MSC
Magnífica recebem previamente um cartão magnético identificador que acompanha o
passageiro até o último instante a bordo e que serve como crédito de compras e
despesas dentro do navio.
Após uma interminável fila de espera
bem longa e várias identificações com este cartão chegamos às maquinas de raios
X do porto de Santos.
Tão logo esse procedimento termina
temos acesso à outra fila. Desta vez para efetivo embarque na nave que nos
aguardava.
Qual não foi nossa surpresa ao ter
que entrar numa máquina de raios X de novo. Desta vez dentro do navio.
Igualmente novas identificações a cada passo dentro do navio com o cartão
magnético, checagem esta mais severa que a do porto ocasionando um sufoco de
filas sob intenso calor tropical.
O procedimento do navio é totalmente
desnecessário em face da alfândega santista que já havia feito esse trabalho.
Preciosismo e idiotice.
Funcionários do navio informam que
este é o único porto do mundo a ter duas checagens simultâneas. Desconfio que a
empresa MSC trate os brasileiros de maneira discriminatória exigindo dois
momentos de intensa investigação dos passageiros que vão entrar a bordo. Na
Europa oi procedimento seria o mesmo?
O calvário se completa com as
dimensões épicas do navio para conseguir localizar as cabines, foram longos
minutos de caminhadas com malas e cuias pelos corredores até acertar o ponto
onde poderíamos, enfim, descansar a refrescar após as duas maratonas.
TÔ PAGANDO.
Valho-me da história do início das
grandes navegações transoceânicas no começo do século XX e seus fantásticos
navios históricos como o Titanic.
Os navios da White Star Line e da
Cunard (empresas que disputavam no começo dos anos 1900 a hegemonia dos mares)
rivalizavam em beleza, charme, robustez, velocidade e luxo.
Especialmente nos navios da classe Olympic,
onde o Titanic se encaixava, havia segregação de classes: primeira, segunda e
terceira. Os espaços a bordo eram igualmente segregados e especialmente
controlados para não haver interferência de uma classe com a outra.
A medida era capaz de separar mundos
diferentes, comportamentos e educações diametralmente opostas pelo vértice.
Foi-se o tempo do luxo e da educação
fina, exigência de roupas dignas para adentrar este ou aquele restaurante.
Chegamos a uma era de navios onde
embarcam indistintamente educados e mal educados, pobres e ricos, raças e
credos diferentes.
Não há qualquer seleção de pessoas.
Quem paga vai a bordo.
Veteranos de outras viagens nos
mesmos navios da MSC afirmam que hoje as viagens são bem diferentes das
anteriores a começar da qualidade da comida servida a bordo.
Lanço mão da minha experiência de
cozinha e de ter sido proprietário durante anos de um restaurante em minha
cidade para afirmar que o esquema está mais parecido com bandejão de universidade
para baratear os custos.
O cardápio do MSN Magnífica é pobre e
mal preparado.
Frituras com excesso de óleo, arroz
“unidos venceremos”, uma profusão de massas repetitivas. O “a la carte” nos
outros tantos restaurantes do navio eram repetecos disfarçados da comida do Buffet
que praticamente não fechava. O frangão frito no Buffet virava fricassé de um
nome pomposo em outros restaurantes, mas a gororoba era exatamente a mesma.
As pizzas servidas a bordo não
lembram as famosas redondas brasileiras, bem preparadas massa fina ou grossa,
camada generosa de queijo e outros ingredientes.
O quitute era preparado com excesso de
molho de tomate, escassez de queijo ou calabresa e borda grossa demais. Assada
em forno com temperatura fora do padrão as pizzas vinham moles e as fatias eram
destruídas ao se colocar no prato. Um horror.
Navio hoje é um grande caça níquel.
Se paga por tudo.
O MSN disponibiliza estações de água
acoplada com uma máquina de gelo. O problema do “to pagando” começa ai.
Os terminais de água eram preparados
para abastecer as canecas colocadas ao lado. Era proibido o abastecimento de
garrafas de uso pessoal para evitar a contaminação cruzada no bico por onde saía
a água.
Ao beber no bico a garrafa se
contamina com a saliva e para se estabelecer um ambiente de propagação de
doenças é fácil.
Os funcionários chamavam atenção dos
passageiros que insistiam em fazer uso do abastecimento de garrafas pessoais.
Recebiam de volta a famosa frase, “mas eu to pagando”.
Eu assisti cenas terríveis da mais
completa ausência de educação de berço: furas filas, gente que nem banho
tomava, correia nos corredores, péssimo comportamento dos adolescentes com seus
celulares inseparáveis e alguns funcionários do navio, especialmente os
italianos bastante ríspidos com os passageiros.
Eu “to pagando” também surgia na
orgia de comida desperdiçada pelas pessoas. Comia-se com os olhos e os pratos
iam à mesa entupidos até o teto de comida para um estomago reduzido. Nunca vi
tanta comida sendo jogada fora.
O navio colabora com esse pecado
mortal.
Oferece aos passageiros pratos que
mais se parecem com uma enorme bandeja.
O ímpeto dois mal educados é encher
até a boca como se o mundo fosse acabar.
Vi crianças pegando dois a três
hambúrgueres e mordiscando apenas metade de um. Tudo ia para o lixo logo após.
O desfile de horrores continua com as
vestimentas escolhidas por uma grande parte dos passageiros não importando sexo
ou idade. Nos momentos de gala no navio, como a noite do jantar do capitão do
navio, vi homens trajando chinelos de dedo, meninas com saída de praia, homens
que há muito não faziam barba, gente usando sapatos sem meias (moda que pegou
entre os homens, um horror) e uma passageira em especial que insistia em se
vestir como uma vendedora de acarajé na Igreja do Bonfim na Bahia.
Onde fosse e sob qualquer condição de
tempo lá vinha ela com seus quitutes pelo navio.
Claro, há um outro lado romântico da
viagem e bastante chic.
O glamour dos fantásticos bares a
bordo especialmente os de nomes Topázio e Tiger ofereciam a todos música de
qualidade, pista de dança, piano bar, bebidas muito bem preparadas, garçons e
garçonetes bem vestidos e educados.
Pena que os ambientes eram
subaproveitados tendo em vista a concorrência desleal dos batidões e pagodões
nas piscinas que estabeleciam uma zona de impacto a bordo com ambientação mais
despojada de educação.
A embarcação peca na condução de suas
regras internas não colocando fiscalização onde deveria ser primordial como os
acessos às máquinas de água com a frequente contaminação cruzada correndo solta
e me conduzindo a consumir água de outras fontes, embora pagas a bordo a peso
de ouro.
O que faz uma viagem dessa valer a
pena é a oportunidade de conhecer novos lugares e pessoas mesmo que
funcionários do navio e podemos destacar três nomes que fizeram nossa viagem
mais alegre, educada, humana e prazerosa: Sr Ardi Kuzumo Yoyo, da Indonésia,
Sérgio Ricardo Gomes Fortunato e sua esposa Amanda, ambos brasileiros. Destaque
também para o nosso camareiro campeão mundial de atenção e arrumações
rapidíssimas em nossa cabine todo o tempo.
Eles pouco a pouco vieram a se
transformar em nossa família a bordo.
Um cruzeiro vale a pena quando levamos
no coração pessoas tão atenciosas, amadas e de almas leves sempre com um
sorriso de plantão algo que pouco conseguimos fazer em terra ou no mar.
Parabéns Sergio, Amanda e Ardi e ao
nosso camareiro.
Destaque positivo ao passeio na casa
de Tango Carlos Gardel em Buenos Aires. Nota dez pela comida e pelo show.
Eu “to pagando” também aparece nos
retornos ao navio após os passeios em terra.
Há os que se imaginam donos da
verdade, da hora e dos desejos. Pessoas que nunca deveriam ter embarcado em um
passeio onde o respeito deve imperar e a boa vontade.
O passeio de Punta Del Este, por
exemplo, foi prejudicado pelo atraso lastimável de algumas pessoas que com seu
ato detonaram o passeio de quase 2.000 pessoas. A parada em Punta Del Este foi
rápida a ponto de permitir um passeio de duas horas.
Parabéns também ao Porto de Buenos
Aires que atrasou a disponibilidade de rebocadores para nosso navio sepultando
de vez a oportunidade de um grande passeio em Punta.
Resumo da ópera. Cruzeiro com glamour
não existe mais.
Finalmente os shows no teatro a
bordo. Fracos, cenários ridículos e falta de criatividade com um certo apresentador,
Sr Enzo, de poucos ou quase nenhum predicado para o trabalho. Nota mil pela
cantora nacional a bordo uma mulata de voz sensacional.
A música que toca agora é a ganância
das operadoras de cruzeiros como a MSC que entope navios todos os dias e
proporciona um passeio liofilizado, robotizado onde se paga a cada respirada a
bordo e cobra-se o absurdo de tirar fotos com o comandante como se ele fosse a
atração da festa e não os passageiros razão da criação e operação das máquinas
monstros de hoje operando pelos sete mares.
Ofereço minha nota 6 a MSC e olha
lá......
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