JORNAL PENA LIVRE

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quinta-feira, 8 de abril de 2010






















ÁGUAS DE MARÇO LEVANDO O VERÃO

Desde os tempos de criança, quando eu frequentava a cidade da Guanabara, hoje Rio de Janeiro, sempre houve letras poéticas com a paisagem dos barracos pendurados no morro e pedindo socorro com a cidade aos seus pés, música imortalizada pela divina Elizeth Cardoso.
A herança dos descobridores e fundadores da cidade deixou para a posteridade a carência e a aflição amarguradamente despoetizada de um aglomerado humano incapaz de sobreviver às suas mais nuas características.
A geografia carioca é uma ceifa afiada pronta a levar vidas no rolo compressor de tragédias como a das chuvas que colocaram a cidade maravilhosa de joelhos implorando ajuda e atenção.
Torneiras de São Pedro a parte, as mortes por afogamento, esmagamento, soterramento tem endereço certo de uma culpa concorrente que pode se estender ao século XV, ou ainda mais atrás.
Morros ocupados pela pobreza brilhando com suas luzes a piscar saboreia uma doce epopeia cantada em letras sonoras, enquanto que na vida real milhares já partiram vítimas do céu cinzento despejando cântaros de água e o esquecimento de seus governantes.
Pobre gente apinhada nas encostas cariocas vendo a cidade lá embaixo com seu cotidiano de ruas cheias de carros barulhentos, balas perdidas, flanelinhas, ambulantes, mendigos como se a cidade não tivesse dono nem direção.
Cresce como as ervas daninhas ao léu e ninguém liga a mínima desde que o carnaval esteja garantido e a escola possa desfilar.
O mesmo lugar pobre donde surge as alegorias coloca na Sapucaí o desfile de horrores da gente pisoteada pela indiferença sendo importantes apenas quando são caçadas pelos governantes para lhes conseguir o voto.
De certo, a lamentar os efeitos nocivos e colaterais do “el nino” que derrama sobre a região sudeste toda a chuva que deveria estar caindo na amazônia e que transformou a cidade maravilhosa num imenso pântano.
Nem os ratos escaparam, pelo menos isso tem de útil a tragédia. Os roedores encontraram a morte boiando no lodo dos córregos de lixo e fezes que correm nas ruas convivendo com o dia a dia das pessoas.
A tragédia não para nos pingos da chuva. Vai além. Agora a hora e a vez das epidemias causadas pelas águas das línguas negras que margeiam a costa carioca, o xixi dos ratos que sobraram dando os novos contornos da matança.
Agora não ouço ninguém cantar a garota de Ipanema e suas coxas torneadas no sol do Atlântico, bem como não escuto a voz do barracão de zinco, hoje de concreto e dor.
Chão de terra, luzes que se acendem no “gato”, o bandido defendendo seu curral de fumo e droga, crianças sujas, a encosta vem e leva consigo sem esperar, sem saber quem é quem, uma hecatombe democrática.
O Rio de Janeiro tem ainda nos seus encantos seu pior inimigo. O mar não responde a nenhum comando e vem tomar seu lugar de outrora acendendo mais estopim no barril de pólvora. As águas não vão embora e ficam os destroços da casa do Sr. Silva, pela enésima vez destruída pela torrente de lama levando junto a família que não conseguiu abrigo.
Chora aqui, alí e acolá.
Não adianta nem os céus ouvirão os lamentos na orla pútrida consumindo o orgulho do jeito brasileiro.
Foi-se o melodrama da cantoria profunda exortando uma cidade doente tantas vezes cantada nas ondas da Rádio Nacional e no teatro do Cassino da Urca. Do, ré mi. Sol, fá e lalarilalá. O silêncio dos inocentes não tem voz, não tem tom, nem melodia.
Apenas um lamento rugindo das vozes dos que ficaram para construir de novo para as águas de março levar ano que vem ou na nova frente fria que virá.
Vem o presidente culpar São Pedro, o governador o prefeito e este culpa o presidente fechando o círculo dos responsáveis, em parte, pelo atoleiro de mortes agora alcançando mais de 200 pessoas.
A fazer agora o que de mais urgente? Secar, escoar e enterrar, reconstruir e seguir na vergonha que é mundial e que nos faz pensar duas vezes antes de receber nossos convidados para as olimpíadas e a copa do mundo.
Deus, brasileiro e torcedor do flamengo, vai dar uma força oferecendo uma folga a São Pedro e sua torneirinha no momento do primeiro chute da pelota no campo verde ou no primeiro tiro dos nadadores nas piscinas buscando suas douradas medalhas.
Uma reza a Iemanjá e uma vela na passagem de ano nas areias de Copacabana. Uma prece lançada para que ninguém mais veja gente morrendo enterrada viva bem na nossa frente.
Rimou?
Nesta madrugada (07/04/2010) o morro do Bumba em Niterói veio abaixo engolindo mais de 60 casas. Saber lá Deus quantas mortes serão contabilizadas.
A área foi há muitos anos atrás um lixão improvisado. As autoridades classificavam o morro do Bumba como área de super risco. Além disso, a remoção deverá ter outra abordagem por conta da alta taxa de contaminação que aquele trecho de terra oferece.
Alguns moradores contam horrorizados que ouviram explosões antes da terra se desfazer, muito provavelmente pelos bolsões de gás metano que os lixões exalam na decomposição do material orgânico.
Construir barracos em cima de lixo. Irresponsabilidade maior que essa da prefeitura de Niterói permitir a construção de moradias, mesmo sabendo do altíssimo risco, é certamente um caso de assassinato em primeiro grau, doloso com intenção de matar.
Ao banco dos réus com essa cambada.
Se aqui tivesse justiça ela teria que colocar no xilindró os safados políticos que distribuíram tijolos, cimento, ferro naquele espaço para angariar votos nas eleições passadas. Os votos vieram e agora as vidas se foram. Parabéns.
Finalmente, o mais absurdo dos absurdos. Há quanto tempo que Rio, São Gonçalo, Petrópolis, Teresópolis, Baixada Fluminense, Niterói vem sofrendo com as águas de março?
Ninguém aprendeu nada, não pensou num formato novo de distribuição de espaço nas grandes cidades, um plano diretor severo e austero, mapeamento das áreas de risco e a retirada sumária, sob as varas da justiça se preciso fosse, dos moradores que se penduram nos paredões das cidades em busca de um teto.
Os cemitérios e necrotérios, bem como hospitais, já estão operando no limite; de outro lado o banco dos culpados vai continuar empoeirado porque não? Afinal só gente miúda que tombou morta, os parias e os desvalidos. Ninguém liga a mínima. São apenas estatísticas de votos e ponto final.

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