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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
ÁGUAS DE MARÇO
Tom Jobim já escrevia na letra da música “Águas de Março”: é pau é pedra é o fim do caminho... É o vento ventando, é o fim da ladeira. É a viga, é o vão, festa da cumeeira, é a chuva chovendo, é conversa ribeira das águas de março, é o fim da canseira.
Do romântico ao prático, as águas de março, lembradas quando o padrão brasileiro do verão era chover em março, padrão este alterado pelas diversas modificações provocadas pelo homem como o aquecimento global e outras tantas coisas, provocam mortes que poderiam ser evitadas.
Desde menino ouço a mesma cantilena e as mesmas cenas tristes.
Mortes aqui ou acolá por afogamento, soterramento, transbordamentos cuja novela autor nenhum quis ou quer dar um final feliz.
Esse ano de 2011 Deus premiou a inércia de muitos com centenas de mortes especialmente na região serrana do Estado de Rio de Janeiro.
A verdade é uma só.
Não tem governo que faça o que deve ser feito simplesmente porque não rende votos.
Obra enterrada é obra esquecida.
É melhor construir uma bela praça em área de risco do que remover as casas, providenciar a drenagem do terreno e o deixar intacto preservando áreas de mananciais ou mesmo espaço de fuga para enchentes nos rios metropolitanos.
Aqui é uma terra com lei somente para os fracos.
Fosse aqui um país sério muito desses governantes que estão ai há séculos nos enganando, já estariam atrás das grades por homicídios dolosos ao deixar tantas pessoas morrendo vítimas de uma criminosa inércia.
O povo adere sua culpa nesse ponto igualmente.
Exemplo de povo porco é mesmo o brasileiro.
Podem reparar nas ruas pessoas simplesmente descartando tudo através dos vidros dos carros a começar pelo lixo mais abundante do planeta: bitucas de cigarro.
Isso mesmo bitucas de cigarro. É o lixo achado em todos os cantos secos ou molhados da terra.
Nas áreas notadamente carimbadas como perigosas em épocas de chuva, as tragédias são os moradores mesmos que as provocam jogando fora sofás, tvs, travesseiros, colchões, lixos diversos que acabam entupindo os sistemas de escoamento.
A mesma choradeira de sempre. Perdeu isso e aquilo. Foi-se a geladeira e o fogão comprados nas casas Bahia.
O que estamos vendo na TV mostra um círculo do crime organizado pelo Estado e pela população.
O Estado comete o crime de permitir moradias em áreas de risco, de não ter plano diretor para determinar onde e como a cidade vai crescer, não tem planejamento tático para lidar com situações de crise e de catástrofe como essas, não tem esquema de evacuação de áreas de risco e não faz uma obra que preste, nem, tampouco, planos de emergência para trabalhar em regime de crise.
Cassab, prefeito de SP, se esconde nas desculpas de sempre dizendo que os piscinões deram conta do recado e que blá, blá e blá, Geraldo Alkmim idem. Já são tantos anos no poder não teria dado tempo de ensaiar desculpas menos infantis?
O crime se completa com a população colocando pimenta no molho: invadindo áreas de preservação ambiental, construindo casas em abismos ou em cima de lixões (vide o caso do morro Bumba em Niterói, 2010), detonando os rios com os lixos de sempre.
O círculo se fecha aqui com a paralisia infantil do Estado que nada faz porque qualquer ação no sentido de evitar tragédias como as das águas de março invariavelmente traz medidas não tanto populares como remoção de famílias, limpeza de terrenos, reintegração de posse e vai por aí afora.
Quem votou na Dilma, falo especialmente para o pessoal que vive em áreas de risco, já deve saber que ela mandou cortar do orçamento de 2011 mais de 30 bilhões de reais como contensão de gastos exatamente nas verbas para tratar desse assunto de enchentes etc e tal.
Agora resta ao Estado pelo menos fazer seu papel sujo de cavar as covas coletivas e oferecer um mínimo de conforto para tantas famílias destroçadas pela tragédia.
Estou cansado disso. Em 2012 vai ser a mesma coisa, outras tantas centenas de pessoas morrerão, em 2014, ano da copa idem.
Talvez um dia apareça alguém com saco roxo e vontade de ferro para resolver isso de vês por todas em vez de sermos manchetes trágicas em todos os jornais de mundo dando notícias do Estado que mata gente por que quer e por interesse de obtenção de votos.
Outras coisas curiosas. Segundo cálculo dos entendidos no ramo um mísero real aplicado em prevenção custa sete a menos em reconstrução ou recuperação.
Um cidadão de SP capital culpa o rio Tietê pelas enchentes como se o rio tivesse sido construído pelo homem. Muito pelo contrário. Os rios de SP capital já estavam ali antes das naus de Cabral.
A natureza só destrói quando o homem lhe toma o que lhe pertence.
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Magno Almeida Lopes, escritor e jornalista free-lancer, administrador de empresas com habilitação em negócios internacionais, tecnólogo de obras e solos, engenheiro de rede Lan, membro efetivo da academia Piracicabana de letras, MBA em comércio exterior. Piracicaba (SP), 14 de janeiro de 2011. email: lopesmagno@gmail.com
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