A
ESPINAFRADA CHARMOSA
Quando
criança costumava viajar muito ao Rio de Janeiro, a magnífica cidade
maravilhosa. Garoto sortudo era eu por ter parentes lá: tios, primos,
primas me garantiam deliciosas estadias
em Copacabana, Laranjeiras também nos bairros do Méier, Tijuca e Leme.
O
Rio sempre foi para mim a cidade onde poderia experimentar estar em lugares
onde o Brasil escreveu boas páginas de sua história, desde que os franceses que
lá estiveram tentando colonizar na marra por conta do ouro que convergia para o
porto da cidade no início do século XVIII, através do novo caminho que ligava
Ouro Preto (MG) ao Rio de Janeiro, tornou este um dos principais portos das
colônias portuguesas. E uma notável vítima de olhares estranhos.
O
metal nobre que atraía a cobiça dos reis da Europa, como Luís XIV, tornava
previsível a tentativa de invasão à cidade para controlar o fluxo do ouro. Em
12 de outubro de 1711, uma esquadra comandada pelo corsário René Duguay-Trouin
(1673-1736) e apoiada pelo rei da França, invadiu o Rio de Janeiro e ocupou a
cidade por dois meses.
Quem ficasse ao longo do espaço no porto em seu ponto médio poderia experimentar o sabor de pescar no ar, quem sabe, um pouco daquela brisa histórica que ali soprou. Ali personagens importantes rabiscaram detalhes da história do Brasil num Rio de Janeiro que sempre transbordou política por todos os cantos.
Quem ficasse ao longo do espaço no porto em seu ponto médio poderia experimentar o sabor de pescar no ar, quem sabe, um pouco daquela brisa histórica que ali soprou. Ali personagens importantes rabiscaram detalhes da história do Brasil num Rio de Janeiro que sempre transbordou política por todos os cantos.
Ou
mesmo minhas visitas a Ilha Fiscal (Ilha dos Ratos) rendeu-me inspirações para
deslumbrar o que teria sido o último baile do império. Lugares
como o Paço Imperial, onde D. Pedro I foi consagrado imperador, a Ilha de
Paquetá, a Quinta da Boa Vista e a Igreja Nossa Senhora da Glória foram
cenários de eventos que marcaram a momentos importantes do curto período
imperial, até a proclamação da República, em 1889. Quantos
acontecimentos foram decididos a partir de 09/10/1884 quando D Pedro II
inaugurou o bondinho do Corcovado, na verdade uma estradinha de ferro que leva
ao Cristo Redentor, um dos cartões postais da grande cidade.
Finalmente,
o Maracanã onde o Brasil experimentaria em casa perder a Copa do Mundo de 1950.
Um
dos lugares que mais me intrigava não era de interesse geral, nem um lindo
monumento imponente, ou uma magnífica paisagem daquelas que fizeram Mario
Quintana ficar com desejo de entrar num túnel para que suas vistas pudessem
descansar da beleza. O lugar que me fascinava era uma Rua e a frente de um
prédio qualquer em Copacabana, mais precisamente a Rua Toneleiros número 180,
onde em 1954 o governo de Getúlio Vargas tentaria matar uma das peças políticas
mais importantes e solenes da história brasileira: Carlos Frederico Werneck de
Lacerda, ou simplesmente Carlos Lacerda.
Nesta
quarta-feira (30/04/2014) se vivo ele estivesse estaria completando 100 anos de
idade.
Lacerda
foi jornalista de carreira num tempo em que as linhas de um jornal poderiam
fazer uma revolução, mudar opiniões, causar guerras de pontos de vista e
inimizades.
Lacerda
provocou em sua era posições diametralmente opostas pelo vértice: era amado ao
extremo por muitos e odiado desesperadamente por alguns. Boa parte da
população, especialmente a carioca dos anos de 1940, 1950,1960 e 70 do século
passado guardava Lacerda como um redentor e devotava sua mais completa
admiração.
Minha
saudosa Tia Jandira, carioca de adoção, era admiradora contumaz de Carlos
Lacerda fazendo deste um símbolo incontestável durante décadas. Aí de quem
falasse alguma coisa sobre Lacerda que não a agradasse. Havia sempre um bom
discurso pontiagudo para assegurar-lhe posição de impiedosa defesa do jornalista
que era conhecido como o “demolidor de presidentes”.
O
escritor Paulo Pinheiro Chagas em seu livro Esse
Velho Vento da Aventura certa vez escreveu que Lacerda foi o maior tribuno
em ação da história brasileira. Quando ele falava a plateia se aquietava uns embevecidos,
os correligionários e outros enraivecidos, os adversários, mas todos paravam
para ouvi-lo.
A
frase seria repetida muitos anos mais tarde num restaurante em Brasília pelo
ex-ministro de Jango, Almino Affonso. Lacerda foi por duas vezes deputado
federal e governador do então Estado da Guanabara entre 1961 e 1965, embora seu
maior desejo fosse ser presidente da República, sonho este que o levaria a
viver intensa trincheira política defendendo seus ideais, ora esquerdistas ora
direitistas.
Como
dizia ele mesmo “só os burros não mudam
de opinião, só os tolos não cometem incoerências” parafraseando Rio
Barbosa.
Visionário
de ultima hora, em dezembro de 1963 na fazenda da família dos Mesquitas (Jornal
o Estado de SP) ouviu um pedido de Júlio de Mesquita Filho um apelo para
integrar a conspiração para tirar João Goulart do poder. Profeticamente recusou
o convite afirmando que a derrubada de Jango propiciaria a instalação de um
regime militar que poderia durar décadas. Ruim com Jango e seu governo civil e
constitucional pior com o regime militar.
Não
deu outra.
Lacerda
foi um golpista sem dúvidas. Em 1945 e 54 contra Getúlio Vargas, em 1955 contra
o presidente eleito JK, em 1961 a vez de Jânio Quadros e contra a posse do seu
vice, João Goulart, quando da renúncia de Jânio.
Carlos
Lacerda era um ícone cultural em pessoa. Seu ciclo de amizades incluía Otávio
Frias Filho, Mário de Andrade, Érico Veríssimo, Rubem Braga, Oto Lara Resende e
Carlos Drummond de Andrade.
Lacerda
foi autor de vários livros como e elogiado Na
Casa do meu Avô, foi tradutor de inúmeras obras famosas entre elas a peça
Teatral Júlio César de William
Shakespeare, e a comovente novela A Morte
de Ivan Ilitch, de Tostoi, ele, consequentemente, transitava solto pela
seara cultural mais afiada de todos os tempos aqui no Brasil e no mundo.
Era
notória sua paixão pela leitura.
O
jornalista morto em 1977 jamais ocultou seu projeto obsessivo de chegar à
Presidência da República. Deixou registrado em seu depoimento dado a alguns
jornalistas pouco antes de sua morte que desprezava quem encarava o poder como
um ônus.
Dizia
ele que o poder é, sim, uma fonte de alegria. O perigo do poder continua
Lacerda, é o sujeito acabar por adorar a si próprio, namorar tanto o poder que
quando o conquista vira Hitler, Fidel ou coisa pior.
“Ser governo não é um sistema de privilégios.
Ser governo é uma forma quase de escravidão, pelo menos de servidão,
certamente. Governar é não ter hora, não ter direito ao amor próprio e não ter
tempo para a família e os filhos”.
Continua
Lacerda: “Eu tenho nojo da pessoa que diz
que está fazendo um sacrifício: ou é um mentiroso, ou é um impostor e não sabe
o que está fazendo lá”.
Homens
gloriosos como Lacerda seu nome se inscreveria, ainda que com muita
controvérsia (como tudo nele), no pequeno e restrito grupo seleto dos
brasileiros que, sendo os mais capacitados de sua época, nunca chegaram a
presidentes: Rio Barbosa, Oswaldo Aranha, San Tiago Dantas, Ulysses Guimarães.
Vejo
hoje a tribuna brasileira ser ocupada por homúnculos magros de ética,
praticantes de crimes hediondos, facínoras em geral, desequilibrados mentais,
aproveitadores diversos, palhaços, jogadores de futebol, truco e traficantes de
influência.
Percebo
desde o apagar dos olhos da Lacerda, ocupantes cada vez mais desprezíveis no
maior cargo na nação brasileira. Pessoas vergonhosas, com educação de beira de
estrada com vergonha do cargo, mas sem vergonha nenhuma de mentir, distorcer o
futuro e de se auto retratarem como semideuses.
Lacerda
foi criticado, ovacionado, odiado, amado, ignorado, mas, sobretudo e muito
importante: jamais se levantou contra ele qualquer denúncia de corrupção.
De
uns tempos para cá a prerrogativa para ser candidato à Presidência da República
fugiu faz muito tempo do grande e inteligente estadista como Lacerda o foi em
seu tempo. A mediocridade, a estupidez, a flacidez moral, a incompetência e a
falta de letras passaram a ser partes integrantes dos currículos vitae dos
governos deste então.
Para
terminar queria repetir uma frase de autoria de Mark Twain, escritor norte
americano que dizia “nunca discuta com um
ignorante, ele te rebaixará até o nível dele e te vencerá por experiência”.
Que
saudades da Rua Toneleiros!
Que
saudades daquele Brasil que embarcou recente nas galés dos moribundos.
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