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terça-feira, 29 de abril de 2014

A ESPINAFRADA CHARMOSA

Quando criança costumava viajar muito ao Rio de Janeiro, a magnífica cidade maravilhosa. Garoto sortudo era eu por ter parentes lá: tios, primos, primas  me garantiam deliciosas estadias em Copacabana, Laranjeiras também nos bairros do Méier, Tijuca e Leme.
O Rio sempre foi para mim a cidade onde poderia experimentar estar em lugares onde o Brasil escreveu boas páginas de sua história, desde que os franceses que lá estiveram tentando colonizar na marra por conta do ouro que convergia para o porto da cidade no início do século XVIII, através do novo caminho que ligava Ouro Preto (MG) ao Rio de Janeiro, tornou este um dos principais portos das colônias portuguesas. E uma notável vítima de olhares estranhos.
O metal nobre que atraía a cobiça dos reis da Europa, como Luís XIV, tornava previsível a tentativa de invasão à cidade para controlar o fluxo do ouro. Em 12 de outubro de 1711, uma esquadra comandada pelo corsário René Duguay-Trouin (1673-1736) e apoiada pelo rei da França, invadiu o Rio de Janeiro e ocupou a cidade por dois meses.
Quem ficasse ao longo do espaço no porto em seu ponto médio poderia experimentar o sabor de pescar no ar, quem sabe, um pouco daquela brisa histórica que ali soprou. Ali personagens importantes rabiscaram detalhes da história do Brasil num Rio de Janeiro que sempre transbordou política por todos os cantos.
Ou mesmo minhas visitas a Ilha Fiscal (Ilha dos Ratos) rendeu-me inspirações para deslumbrar o que teria sido o último baile do império. Lugares como o Paço Imperial, onde D. Pedro I foi consagrado imperador, a Ilha de Paquetá, a Quinta da Boa Vista e a Igreja Nossa Senhora da Glória foram cenários de eventos que marcaram a momentos importantes do curto período imperial, até a proclamação da República, em 1889. Quantos acontecimentos foram decididos a partir de 09/10/1884 quando D Pedro II inaugurou o bondinho do Corcovado, na verdade uma estradinha de ferro que leva ao Cristo Redentor, um dos cartões postais da grande cidade.
Finalmente, o Maracanã onde o Brasil experimentaria em casa perder a Copa do Mundo de 1950.
Um dos lugares que mais me intrigava não era de interesse geral, nem um lindo monumento imponente, ou uma magnífica paisagem daquelas que fizeram Mario Quintana ficar com desejo de entrar num túnel para que suas vistas pudessem descansar da beleza. O lugar que me fascinava era uma Rua e a frente de um prédio qualquer em Copacabana, mais precisamente a Rua Toneleiros número 180, onde em 1954 o governo de Getúlio Vargas tentaria matar uma das peças políticas mais importantes e solenes da história brasileira: Carlos Frederico Werneck de Lacerda, ou simplesmente Carlos Lacerda.
Nesta quarta-feira (30/04/2014) se vivo ele estivesse estaria completando 100 anos de idade.
Lacerda foi jornalista de carreira num tempo em que as linhas de um jornal poderiam fazer uma revolução, mudar opiniões, causar guerras de pontos de vista e inimizades.
Lacerda provocou em sua era posições diametralmente opostas pelo vértice: era amado ao extremo por muitos e odiado desesperadamente por alguns. Boa parte da população, especialmente a carioca dos anos de 1940, 1950,1960 e 70 do século passado guardava Lacerda como um redentor e devotava sua mais completa admiração.
Minha saudosa Tia Jandira, carioca de adoção, era admiradora contumaz de Carlos Lacerda fazendo deste um símbolo incontestável durante décadas. Aí de quem falasse alguma coisa sobre Lacerda que não a agradasse. Havia sempre um bom discurso pontiagudo para assegurar-lhe posição de impiedosa defesa do jornalista que era conhecido como o “demolidor de presidentes”.
O escritor Paulo Pinheiro Chagas em seu livro Esse Velho Vento da Aventura certa vez escreveu que Lacerda foi o maior tribuno em ação da história brasileira. Quando ele falava a plateia se aquietava uns embevecidos, os correligionários e outros enraivecidos, os adversários, mas todos paravam para ouvi-lo.
A frase seria repetida muitos anos mais tarde num restaurante em Brasília pelo ex-ministro de Jango, Almino Affonso. Lacerda foi por duas vezes deputado federal e governador do então Estado da Guanabara entre 1961 e 1965, embora seu maior desejo fosse ser presidente da República, sonho este que o levaria a viver intensa trincheira política defendendo seus ideais, ora esquerdistas ora direitistas.
Como dizia ele mesmo “só os burros não mudam de opinião, só os tolos não cometem incoerências” parafraseando Rio Barbosa.
Visionário de ultima hora, em dezembro de 1963 na fazenda da família dos Mesquitas (Jornal o Estado de SP) ouviu um pedido de Júlio de Mesquita Filho um apelo para integrar a conspiração para tirar João Goulart do poder. Profeticamente recusou o convite afirmando que a derrubada de Jango propiciaria a instalação de um regime militar que poderia durar décadas. Ruim com Jango e seu governo civil e constitucional pior com o regime militar.
Não deu outra.
Lacerda foi um golpista sem dúvidas. Em 1945 e 54 contra Getúlio Vargas, em 1955 contra o presidente eleito JK, em 1961 a vez de Jânio Quadros e contra a posse do seu vice, João Goulart, quando da renúncia de Jânio.
Carlos Lacerda era um ícone cultural em pessoa. Seu ciclo de amizades incluía Otávio Frias Filho, Mário de Andrade, Érico Veríssimo, Rubem Braga, Oto Lara Resende e Carlos Drummond de Andrade.
Lacerda foi autor de vários livros como e elogiado Na Casa do meu Avô, foi tradutor de inúmeras obras famosas entre elas a peça Teatral Júlio César de William Shakespeare, e a comovente novela A Morte de Ivan Ilitch, de Tostoi, ele, consequentemente, transitava solto pela seara cultural mais afiada de todos os tempos aqui no Brasil e no mundo.
Era notória sua paixão pela leitura.
O jornalista morto em 1977 jamais ocultou seu projeto obsessivo de chegar à Presidência da República. Deixou registrado em seu depoimento dado a alguns jornalistas pouco antes de sua morte que desprezava quem encarava o poder como um ônus.
Dizia ele que o poder é, sim, uma fonte de alegria. O perigo do poder continua Lacerda, é o sujeito acabar por adorar a si próprio, namorar tanto o poder que quando o conquista vira Hitler, Fidel ou coisa pior.
Ser governo não é um sistema de privilégios. Ser governo é uma forma quase de escravidão, pelo menos de servidão, certamente. Governar é não ter hora, não ter direito ao amor próprio e não ter tempo para a família e os filhos”.
Continua Lacerda: “Eu tenho nojo da pessoa que diz que está fazendo um sacrifício: ou é um mentiroso, ou é um impostor e não sabe o que está fazendo lá”.
Homens gloriosos como Lacerda seu nome se inscreveria, ainda que com muita controvérsia (como tudo nele), no pequeno e restrito grupo seleto dos brasileiros que, sendo os mais capacitados de sua época, nunca chegaram a presidentes: Rio Barbosa, Oswaldo Aranha, San Tiago Dantas, Ulysses Guimarães.
Vejo hoje a tribuna brasileira ser ocupada por homúnculos magros de ética, praticantes de crimes hediondos, facínoras em geral, desequilibrados mentais, aproveitadores diversos, palhaços, jogadores de futebol, truco e traficantes de influência.
Percebo desde o apagar dos olhos da Lacerda, ocupantes cada vez mais desprezíveis no maior cargo na nação brasileira. Pessoas vergonhosas, com educação de beira de estrada com vergonha do cargo, mas sem vergonha nenhuma de mentir, distorcer o futuro e de se auto retratarem como semideuses.
Lacerda foi criticado, ovacionado, odiado, amado, ignorado, mas, sobretudo e muito importante: jamais se levantou contra ele qualquer denúncia de corrupção.
De uns tempos para cá a prerrogativa para ser candidato à Presidência da República fugiu faz muito tempo do grande e inteligente estadista como Lacerda o foi em seu tempo. A mediocridade, a estupidez, a flacidez moral, a incompetência e a falta de letras passaram a ser partes integrantes dos currículos vitae dos governos deste então.
Para terminar queria repetir uma frase de autoria de Mark Twain, escritor norte americano que dizia “nunca discuta com um ignorante, ele te rebaixará até o nível dele e te vencerá por experiência”.
Que saudades da Rua Toneleiros!
Que saudades daquele Brasil que embarcou recente nas galés dos moribundos.














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